Será o fim das injeções diárias? Pelo menos uma alternativa…
Nas últimas duas décadas, o tratamento recomendado para o tromboembolismo venoso (TEV) no paciente com câncer tem sido a heparina de baixo peso molecular (LMWH- low-molecular-weight heparin). Essa recomendação é baseada no estudo CLOT, que comparou a dalteparina, uma LMWH, com os antagonistas da vitamina K. Esse estudo mostrou taxas de recorrência de tromboembolismo venoso em 6 meses mais baixas (9% versus 17%) e risco similar de eventos hemorrágicos (6% versus 4%) nos pacientes tratados com dalteparina.
Em 2018 foram publicados os resultados de dois estudos fase III que avaliaram a eficácia e a segurança dos anticoagulantes de ação direta (DOAC- Direct oral anticoagulants) em comparação com a LMWH no tratamento da trombose relacionada ao câncer (CAT- Cancer-associated thrombosis).
O estudo Hokusai VTE cancer trial comparou a edoxabana, um DOAC inibidor do fator Xa, com a dalteparina, uma LMWH, no tratamento do CAT durante 6 a 12 meses. Os pacientes tratados com edoxabana apresentaram menos recorrência de TEV (7,9% versus 11,3%) e uma maior taxa de eventos hemorrágicos graves (6,9% versus 4%), principalmente devido a um maior número de sangramento do tubo digestivo nos pacientes com câncer do trato gastrointestinal.
No estudo SELECT-D, a rivaroxabana, também um DOAC inibidor do fator Xa, foi comparada com a dalteparina para o tratamento do CAT. A incidência de TEV recorrente em 6 meses foi menor nos pacientes em uso da rivaroxabana (4% versus 11%). A incidência de hemorragia grave foi maior no grupo que usou a rivaroxabana (6% versus 4%), sendo que os sítios mais comuns de sangramento foram o trato gastrointestinal alto e geniturinário. Também no estudo SELECT-D, os sangramentos do trato gastrointestinal foram mais comuns nos pacientes com câncer gastroesofágico e colorretal.
Em ambos os estudos, o risco de sangramento intracraniano não aumentou nos pacientes usando DOAC.
Em 2019 foram publicados resultados do estudo ADAM-VTE, que comparou a apixabana (um inibidor do fator Xa oral) com a dalteparina para o manejo do CAT (incluindo trombose venosa de membros superiores e esplâncnica). Não houve casos de sangramento grave nos pacientes em uso de apixabana (0%) e ocorreu tal complicação em 1,4% dos pacientes em uso de dalteparina. As taxas de TEV recorrente foram significativamente mais baixas no grupo da apixabana (0,7% versus 6,3%). A frequência de sangramentos clinicamente relevantes foi de 6% em ambos os grupos. O interessante neste estudo foi o fato de que as taxas de sangramento maior, de TEV recorrente e de mortalidade no braço da LMWH foram mais baixas quando comparadas às encontradas nos estudos Hokusai e SELECT-D, sugerindo que os pacientes incluídos no estudo ADAM-VTE eram de risco mais baixo.
No momento da publicação dos guidelines mais recentes para o tratamento do CAT, ainda não havia acesso aos resultados completos do estudo ADAM-VTE na literatura e, desta forma, a recomendação para o uso dos DOAC nos pacientes com o diagnóstico de CAT não pôde ser estendida à apixabana.
Um grande estudo randomizado comparando a apixabana à dalteparina no tratamento do CAT agudo (CARAVAGGIO) está em andamento e deverá apresentar maiores evidências em relação à segurança e eficácia da apixabana no tratamento desses pacientes.
Desta forma, com base nos resultados dos estudos Hokusai VTE cancer trial e SELECT-D, tanto a edoxabana quanto a rivaroxabana foram incorporadas nos guidelines recentes para o manejo e tratamento dos pacientes com tromboembolismo venoso associado ao câncer, sendo, portanto, alternativas seguras ao uso da heparina de baixo peso molecular.
Moik F, Pabinger I, Ay C. How I treat cancer-associated thrombosis. ESMO Open 2020;5:e000610. doi:10.1136/ esmoopen-2019-000610